
À noite, deitado em sua cama, acordado pelo mesmo pesadelo de noites passadas, olha para o lado e vê o relógio marcar 2 da manhã. O mesmo horário de sempre.
Em seu sonho, a perturbadora imagem do tempo passar e não poder fazer nada para deter seu envelhecimento.
Naquele momento, com a mente vazia de outros pensamentos, o silêncio da noite naquela periferia distante da cidade, sua mente fluía com rapidez e precisão em tudo o que pensava.
Uma fraca luz entrava pela veneziana da janela de madeira.
Ao seu lado, na pequena cômoda, olha novamente o seu relógio despertador e a fraca imagem do ponteiro de segundos percorrer seu caminho. Diferente do tradicional barulho de “tic tac”, lhe incomodava o ranger da engrenagem que o fazia mover sem as pequenas paradas, como que uma intermitente cartilagem de joelhos desgastados.
Aquilo lhe mostrava, em seus pensamentos acelerados, o passar do tempo e seu próprio desgaste.
Imaginava-se então, em um carro veloz, com freios potentes, onde num pisar vigoroso tudo podia parar. Afligia-lhe não poder fazer o mesmo com o passar das horas.
Seu coração acelerava, tentava mudar o rumo para poder descansar e então somente acordar a luz do dia, onde sua mente não daria chance aos seus desatinos.
No entanto, não conseguia deter a imaginação de como seria parar o tempo, o que sentiria, o que faria com a eternidade.
Aquela engrenagem plástica, aquele ruído, que lhe mostrava sua insanidade noturna o fez, num sobressalto, agarrar o relógio com as duas mãos e mirar firmemente os ponteiros. O quase imóvel das horas, o enganador ponteiro dos minutos e o irritante dos segundos. Nem lhe passava pela mente suas subdivisões, dos modernos digitais, que provavelmente lhe deixaria mais apavorado na madrugada.
Sua cabeça parecia transformar-se num balão, suas mãos incharem e se tornarem cada vez mais forte. Seu peito apertava numa sensação de crescimento, sua face queimava.
Com os polegares pressionando a capa transparente de plástico, rompe-a e despedaça, caindo sobre o lençol.
Uma grande chance ele tinha. O silêncio, a penumbra do quarto, a certeza, o poder. Pousa seu dedo menor sobre os segundos, o indicador nas horas e o polegar nos minutos.
O barulho que o aparelho emitia mostrava a agonia das engrenagens, tentando em vão seu movimento. Não sentia a pressão do tempo na ponta de seus dedos. O ruído cessa. Não escuta praticamente mais nada ao seu redor, nem ao menos um grilo lá fora em seu jardim descuidado de grama alta. Suas mãos não parecem mais inchadas, sua força parecia não existir, sua mente finalmente estava vazia de pensamentos, sua respiração era cada vez mais lenta e seu peito uma suavidade. O coração, indicador de seu passar, também para. A eternidade, o seu tempo particular, acabou.